domingo, 28 de março de 2010

Recorte - Sobre o senhor da foto









Era domingo, aproximadamente umas 22:00h quando eu me preparava pra dormir. Como de costume fiz um lanche, lavei as vasilhas, escovei os dentes e me deitei. Após acordar de madrugada, por volta das 03:00h, e não conseguir mais dormir, fiquei esperando deitado até que o sol se mostrasse, e enquanto isso pensando se iria ou não pra aula de Direito constitucional no cursinho, motivo? na UnB teria a semestral 'aula da inquietação'. Quando amanheceu, levantei e tomei banho e decidi que iria pra universidade, afinal, uma aula de inquietação com Marcelo Gleiser não é todo dia que se pode ter.

Saí de casa mais cedo que o de costume pra evitar o trânsito (infernal) da EPTG e também pra conseguir um lugar melhor no teatro arena. Cheguei lá ainda estava bem vazio, devia ter umas 10 pessoas no máximo fora o pessoal da UnBTV e os organizadores do evento, que acabavam de preparar tudo (e digo a vocês que ter esquecido meu livro [As benevolentes] foi o pior erro que eu podia ter cometido, dado o tempo que fiquei esperando). A propósito o pessoal da UnBTV parece ser bem engraçado, mas isso não vem ao caso. Lá pras 9:00h, que era o horário fixado pro início da aula, o teatro já estava lotado, tinha gente de todo tipo e de todas as idades, de graduandos a mestrandos, de mestres a doutores, inclusive um pessoal do ensino médio e fundamental da rede pública, e até um auto didata, mas vou dar destaque aqui para um senhor que estava sentado na grama, com uma camisa de manga longa branca, calça e sapatos brancos e também cabelo e barba brancos, mais adiante volto a falar dele.

Por volta de umas 9:10h começou a aula. O Gleiser fez uma viagem no tempo, desde a criação do universo até os dias atuais, me fez lembrar o 1º vestibular de 2009 (salvo engano), em que na primeira página havia um gráfico ilustrando justamente essa linha do tempo, que o Gleiser fez questão de nos detalhar. Terminada a aula, que eu achei um tanto rápida(deve ter sido porque eu me concentrei bastante...), fizeram-se duas filas para a segunda parte, em que o pessoal da platéia fazia suas perguntas. Achei interessante três fatos nessa hora: primeiro do auto didata que, segundo ele 'veio da roça' e que 'valeu muito o fato de ter nascido pra escutar uma aula como essa', pelo jeito ele veio da roça mesmo, coisa que eu dou extremo valor (a busca pelo conhecimento como forma de prazer), segundo fato foi o aluno de Letras que, me desculpem a sinceridade, mas ficou tão nervoso que nem conseguiu falar, ou expressar da forma que queria, imagino eu. Mas nessa hora eu ouvi comentários de pessoas do lado que conheciam ele de que ele era daquele jeito mesmo... fiquei pensando nisso depois da palestra muito tempo, sobre como é complexo saber se expressar bem na fala. No cursinho tive um professor que dominava completamente essa habilidade, é engraçado que só o entoamento já prende a atenção, e o colocamento certo das palavras completa o trabalho. Gleiser falou disso também, mas não vem ao caso. Na hora que esse estudante começou a falar e gaguejar uma grande parte do pessoal riu, mas logo pararam por perceber a dificuldade do rapaz. Confesso que no começo eu ri também, mas logo parei. Acho que esse tipo de pessoa pensa bastante e por ter tantos pensamentos, na hora, e pelo curto tempo designado a cada pergunta, junto à pressão de falar pra mais de duas mil pessoas, acaba fazendo um congestionamento de idéias e na fala isso se refletiu como tal. O terceiro fato que me chamou atenção foi a pergunta de uma estudante de Geologia: sobre se a concepção que nós temos de vida (o Gleiser ja havia comentado sobre vida em outros planetas, água e suas interrelações.) não é muito cega. Ou seja: se nós não deveríamos abstrair e pensar que a vida pode advir de outras formas/elementos que não da água. Gleiser respondeu que ela estava certa, e que alguns cientistas ja estudam essa hipótese de termos, por exemplo, vida que gira em torno da amônia, ou do selênio.

Depois dessa pergunta ainda tinha mais uns 8 na fila pra perguntar, eu ja estava com fome e saí. Passei numa daquelas lanchonetes do ceubinho e sentei num daqueles bancos de madeira pra comer. Comi e depois fui pro carro, e já estava vindo embora pro Guará quando perto da zona central, ali no plano, me lembrei que haveria ao 12:30 um 'julgamento dos criminosos(políticos) do DF' e resolvi voltar. Voltei e sentei no mesmo banco, do meu lado tinha um gringo, parece que era Alemão, depois eu vi no site da UnB que tinha uns intercambistas de lá na UnB, acho que ele era um deles.

Pouco depois ele saiu e chegou o tal senhor de branco. Sentou do meu lado e abriu a mochila dele e nessa hora eu olhei e vi o livro do Gleiser lá dentro, ele tinha acabado de comprar na palestra. Quando ele viu que eu olhei, puxou assunto: 'Esse Gleiser(pronunciou Glaiser) aí.. acho que é essa a pronúncia né?' respondi: 'eu achava que era 'Glaiser também, mas vi o reitor falando 'Glêiser' então..' - 'Esses franceses..' continuou - 'a pronuncia certa é Glaiser, mas nem ele próprio deve saber... aliás ele não sabe lá muita coisa' fiquei olhando, esperando ele continuar e ele disse: 'Eu não acredito na teoria do Big Bang... acho que na verdade o que aconteceu foi o contrário: uma implosão.' e encenou com as mãos. Após uma explicação de uns cinco minutos sobre essa hipótese, ele ficou me olhando, esperando que eu fosse falar alguma coisa mas logo prosseguiu, com o tom de voz bem baixinho e aproximando-se mais, parecia contar-me um segredo
: 'Acho que esse Gleiser deveria ler mais, depois da aula fui falar com ele, pelo jeito eu o incomodei bastante.. ele pareceu até ficar com medo de mim' e riu sozinho; 'disse a ele que ele devia ler "A grande síntese" de Pietro Ubaldi, você o conhece?' respondi-lhe que não e ele disse: ' é o melhor livro que o ocidente possui.' ; ficou me olhando como que esperasse uma resposta, e eu o questionei 'sobre o que ele trata?', respondeu de prontidão: ' de tudo!', eu ia começando a falar quando ele me interrompeu ' Biologia, Química, Física, Matemática, Política, Direito... como diz o título, não é? sobre tudo. É um excelente livro.' (era perceptível que ele era um senhor de muito conteúdo, falava como se estivesse dialogando com um aluno...)disse-lhe que ia comprar. "O senhor é professor aqui na universidade?" perguntei. Ele respondeu que não, que era aposentado mas que ja havia sido professor; perguntei se ele havia estudado na UnB, ele disse que se formou em Letras, História e que iniciou Filosofia mas que não concluiu. Como é de meu interesse perguntei-lhe qual era sua religião. Ele respondeu: 'a princípio sou espírita... mas universalista' - 'porque a princípio?' perguntei. 'Ora, ninguém come apenas uma fruta. Ninguém come apenas um tipo de cereal, ou carne, devemos nos alimentar de forma completa e de modo que satisfaça nosso corpo da melhor maneira, não é, filho? Eu estudei várias religiões e de cada uma delas procuro extrair o melhor pra mim... mas sou universalista'. Perguntei-lhe tambem sobre quem era Deus e ele disse: 'Ora, Deus é tudo não é? Deus é o cosmos, de onde adveio tudo... nós somos fragmentos de Deus, você pode não gostar, e nós temos mania de evitar esse pensamento, mas nós somos pedaços de Deus e é nossa missão sermos isso, pois assim devemos fazer o bem sempre, de forma que possamos evoluir...'. Ele deixava bem claro a postura de espírita enquanto falava. 'Uma vez, antes de nós existirmos, antes de existir vida na Terra, sabia que nós (a Terra) quase deixamos de existir? O nosso guardião estava fraco, foi aí então que veio o guardião de Saturno e cedeu suas forças para que então pudessemos existir...' (confesso que não entendi muito bem essa parte, tava muito barulho na hora porque do lado estava tendo o tal julgamento, e também ele falava muito baixo, mas ele falou muito mais sobre esse... fato).

Depois desse assunto eu aproveitei para perguntar uma coisa que eu gosto muito de pensar a respeito: a morte.
"E o senhor, como espírita, como vê a morte? acredita em vida no pós morte ou como o senhor vê isso tudo?", ao passo que ele respondeu: 'a morte é uma passagem, uma coisa extremamente boa' "o senhor não tem medo?" interrompi; ' não.. nem um pouco. Veja que após a morte tudo será melhor, tudo será mais intenso.. os seus sentidos se aguçarão e tudo se intensificará.. as alegrias, os prazeres, mas as dores também.'; "E o que vem depois ?" perguntei; 'como você se refere a "depois" ? '; 'logo após a morte mesmo, no momento após se você fica por aqui, ou pra onde vai...' ; ' alguns ficam mais ou menos umas duas horas e depois sobem.. Chico subiu igual um foguete!' (referindo-se a Chico Xavier. Ele o citou várias vezes em suas explicações) rindo continuou, mas logo parou de rir 'Isso depende de quem você foi aqui... as pessoas boas vão logo, as ruins e principalmente os que suicidaram sentem muitas dores, inclusive a da decomposição do corpo.. elas ficam presas ao corpo..' perguntei a ele se ele ja havia visto algum espírito, ele disse : 'sim..' - "e não se assustou?" - 'nem um pouco.. é muito normal.. eu sou médium, filho' - "Mas e se o espírito quiser permanecer aqui na terra?" - ' é escolha dele, houve uma vez que ocorreu de um espírito aparecer pros seus amigos, pois tinha prometido a eles tal fato.. mas geralmente eles preferem reencarnar logo, pois como te disse, as dores são também acentuadas e você vê todos seus erros durante a vida, e essa dor faz com que você queira reencarnar logo para melhorar seus atos e se livrar da dor.'. Nesse momento ele tirou da mochila um vidro de um arroz vermelho, falou que estava estudando nutrição e que era arroz integral, só que vermelho.. e me ofereceu, perguntou se eu ja tinha almoçado e onde eu morava; eu respondi que estava cheio e o agradeci. Disse-lhe: 'moro no guará'. A essa hora já era mais de 13:00 h e eu disse a ele que tinha que ir, me despedi e saí.

Pensando depois, acho que essa conversa com esse senhor, que antes de sair me disse seu nome: Álvaro, me inquietou um tanto mais que a própria aula do Gleiser... Não citei aqui toda a conversa porque não me lembro de algumas partes e porque ficaria demasiado extenso. Mas outra parte interessante e como consta na foto foi que ele me disse que era poeta e logo pôs se a ler um de seus poemas, era sobre paz. Eu que não sou leitor frequente de poemas me encantei com aquele, que apesar de extenso era feito de um vocabulário extremamente rebuscado e rico, e de sonoridade agradável.

As vezes acho que esses fatos que ocorrem assim ( eu já ia pra casa quando resolvi voltar e me encontrei com esse senhor que nunca tinha visto na vida ) são meio que um dedo de Deus nas nossas vidas, seja pra abrir o coração, seja pra abrir a mente a novas ideologias, ou a novos objetivos, mas que sempre trazem consigo um recado intrínseco. Acho que captei o meu e não sei se cabe expor aqui qual foi. Mas que saibamos reconhecer essas oportunidades e delas tirar seus melhores resultados.

Guilherme Resende.

2 comentários:

  1. Tinha visto essa foto no seu orkut e fiquei sem entender, agora tudo faz sentido! heheh
    Muito interessante essa história, gostei.

    Abraço

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  2. Muito interessante, uma grande oportunidade.
    Esse senhor deve ter acrescentado muita coisa para você durante a conversa.
    E afinal, "conhecimento não ocupa espaço" né...
    É sempre bom passar por situações assim e poder compartilha-las.

    Beijo

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